terça-feira, 16 de maio de 2017

Casas de banho...

Entrei numa casa de banho pública, na verdade na casa de banho de um centro comercial no centro de Lisboa.
Ao entrar já uma senhora, em frente ao espelho, olhava para dentro da carteira colocada em cima do lavatório.
Entrei num cubículo ao lado de um outro cuja maçaneta segurava um casaco aos quadrados que seria daquela senhora, fechei a porta e quando saí a mesma senhora continuava a procurar algo na sua carteira, como se de um poço sem fundo se tratasse. Olhei para ela e sorri enquanto lavava as mãos.
O reboliço estava instalado, as suas carteirinhas, lenços e um caderninho de argolas, usadíssimos e enrodilhados, ocuparam os lavatórios vizinhos... E ela continuava à procura.
De repente como que vencida, mas tranquila, suspira e diz para mim: 
- Está no casaco.
Rimos as duas, quando ela encontra o pentinho preto no bolso do casaco pendurado na porta atrás de nós.
De volta ao espelho diz-me enquanto se penteia. 
- Isto é um vício que eu tenho... Lavar as mãos e pentear o cabelo, principalmente em casas de banho boas e bonitas como esta. O meu filho diz que eu tenho cabelo de rato e é verdade... Fraquinho e fininho que mal se vê, mas que quer? Ele diz que, se não pentear até fica com mais volume. E é verdade...
Eu sorri enquanto secava as mãos com papel higiênico, sim, porque as máquinas de secar as mãos são as coisas mais anti-sociais que conheço nas casas de banho. Aprecio por demais a privacidade do meu cubículo com sanita que posso fechar e abomino as máquinas de secar as mãos, mas isso é outra história....
Continuando... Depois peguei no meu baton, como que a fazer companhia àquele ritual de beleza capilar sem dizer uma palavra e concordando com a opinião do seu filho. Aquele pente destruía agora, qualquer pretensão de volume naqueles finos fios cinzentos.
Só me ri e desejei-lhe um bom dia ao arrumar o baton.
A senhora agradeceu e respondeu:
- Muito obrigada por ter estado comigo. Pelo seu sorriso. Que Deus lhe dê o dobro do que me deseja. 
E eu saí a pensar que conscientemente não desejei nada à senhora, apenas estive... E que o dobro de nada é nada... 
Mas se estar ali com ela aqueles momentos... Estar sem pensar em nada, só estar presente e prazerosamente. Se a acompanhar na busca do pente perdido, foi um momento de relação e empatia, então talvez Deus me dê em dobro, encontros, tempos, sintonias e silêncios que confortam... Em todo o caso, e mesmo que este acto não tenha rentabilidade futura na caderneta de pontos das boas obras, já recebi humildemente nesta casa de banho a gratidão de uma desconhecida, a generosidade dos votos, a gratuidade dos encontros que não se programam e não se voltam a repetir. 
A gratuidade e a fecundidade dos encontros são das coisas mais mágicas da vida e tantas vezes os perdemos no barulho das máquinas de secar as mãos ou na preguiça de gestos de "ficar"... E no fim de contas perdemos o que verdadeiramente nos embeleza a cara. Eu, pelo menos, tenho a certeza que saí mais bonita daquela casa de banho e não foi só por usar o baton que me deu a Stina.

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